No poema acima, Manoel de Barros nos convida a “procurar os vestígios dos meninos[as] que fomos”, a olhar para as infâncias e encontrar aquilo que está conservado nos baús ou enterrado em buracos. É com essa perspectiva que elaborei as obras apresentadas a seguir, em uma tentativa de sintetizar em imagens alguns “achadouros de infâncias”, tomando emprestadas as palavras do poeta citado.
Em um primeiro momento, volto meu olhar para o contexto escolar, no qual atuo como professor de Arte, e retrato duas pilhas de achadouros. A primeira é composta por mochilas — esse item comum ao ambiente escolar, que carrega vestígios das infâncias que o ocupam. A segunda constitui-se por um aglomerado de aviões de papel, dobraduras que, nas mãos de uma criança, permitem-lhe respirar nas alturas — uma aventura nem sempre possível em sua “segunda casa”.
Quando olho para as infâncias que me rodeiam, sinto-me provocado a revisitar a que tive. Então, busco registros fotográficos para resgatar — ou, melhor, recriar — as memórias do meu ser criança. Assim, surgem as obras Itinerários de uma infância (I, II e III) e Memória inventada de um sonho.
Em Itinerários de uma infância I e II, as fotografias do menino na bicicleta e no triciclo me convidaram a pensar nos caminhos que essa criança percorre em relação ao contexto em que vive. Esses caminhos são atravessados, costurados, sobrepostos continuamente à medida que ela expande os limites geográficos de até onde pode ir, bem como amplia suas relações pessoais. Nessas obras, assim como na de número III da série, busco romper com uma lógica cronológica e linear da infância ao colocar as fotos — de tempos distintos — em relação, tanto umas com as outras quanto com signos do tempo do “menino de hoje”, que, agora adulto, consegue estabelecer um olhar distanciado daquilo que viveu, relacionar suas experiências e perceber como elas o constituem.
Por fim, a última obra realizada — Memória inventada de um sonho — que compõe este projeto ainda em processo, é resultado de uma tentativa de reinventar uma memória, isto é, reinventar um acontecimento, um momento, certamente um instante que vivi e está marcado no meu corpo, mas cuja tentativa de rememoração será sempre uma ficção elaborada por aquele que agora a imagina. Neste caso, meu interesse estava voltado para um registro que minha mãe fez de mim, criança, dormindo. Essa imagem reverbera em mim a sensação de segurança sentida por uma criança que adormece quando está próxima a um laço afetivo, que sonha, tem pesadelos, mas que, de algum modo — ainda que vulnerável — está segura e protegida por um outro, ou uma outra, que olha por ela. Achadouros de infâncias é um convite meu, enquanto artista e “criança crescida”, para olharmos para as infâncias, as que já foram, as que estão, as que serão, as nossas e as dos outros.